Ir para o conteúdo

Já ouviram falar que no Amazonas até boi voa? Pois é verdade. Principalmente em Parintins, onde, por conta da genialidade dos filhos da ilha, tudo é possível. Já vi um morcego-vampiro descer das alturas e levar nas garras um caboclo descuidado. Já vi Daniela Assayag, a eterna cunhã-poranga do Caprichoso, mergulhar no rio montando no dorso de um boto. Já vi o boto se transformar em caboclo garboso e engravidar cunhãs em plena arena.

Meninos, eu vi. Por isso, não me surpreendeu quando o apresentador do Garantido anunciou que uma cobra-grande ia entrar na arena e, para surpresa da galera, devoraria uma tribo inteira que estava pescando no rio e um turista babaca que tirava fotografias de macacos, araras, papagaios e periquitos.

Aquele era o ano de 1982 e o boi se apresentava  num tablado de madeira armado no estádio Tupy Catanhede. Conhecendo como conheço a criatividade dos artistas de parintinenses, sabia que viria por aí uma cobra grande. Mas nunca pensei que a cobra fosse tão grande. Na frente dela, a  tal da Anaconda do cinema americano era minhoca!

Como todo ilusionista, o genial Jair Mendes, do Garantido, tinha bolado um plano fantástico. Os índios, perto de 50, mais o turista deslumbrado, estavam na arena dando bobeira quando a cobra gigante entrava e, antes que a “cabocada” conseguisse correr, ela “crau”, comia tudinho. Vivinhos da silva!

Na cena da comilança, a  moçada entrava pela boca da cobra, deslizava pelo bucho e lá no fundo da barriga, eles sairiam por um buraco aberto no tablado de madeira – uma espécie de alçapão que tinha sido feito pelo Jair no chão de madeira, de madrugada, pra ninguém vê – e , sorrateiramente, se escafederiam por baixo do tablado.

Ainda não existia o Bumbódromo de Parintins

A pergunta nossa, de espectadores embasbacados com a cena, seria: pra onde esses caras foram?

Acontece que, nos bastidores, um boi costuma colocar espiões dentro do outro. E, apesar dos cuidados, as informações sempre acabam vazando. O pessoal do Caprichoso soube que a cobra iria operar milagres na arena e, depois daquele número, dificilmente a galera azul ganharia o festival. Por isso, os dirigentes do Caprichoso, que se apresentaria antes do Garantido, resolveram tomar as providências. Pegaram a dona Aurora – uma boneca gigante que disputa o quesito “Figuras Cômicas” –, colocaram uns três carpinteiros com pregos e martelo debaixo de sua saia rodada e mandaram a boneca sair dançando pela arena. Quando chegaram em cima do alçapão, os caras, escondidos debaixo da saia da Aurora, entraram em ação. Rapidinho, meteram mais de 50 pregos, lacrando o alçapão.

Por volta de 22h30, o Garantido entrou na Arena com pinta de campeão. Nada poderia superar o truque da cobra-grande. E, no meio do espetáculo, o apresentador Paulinho Faria anunciou com toda força de seus pulmões:

—  Atenção senhores jurados! Atenção galera do Garantido! Olhem só o que vai acontecer! Olhem só o que vai acontecer! Meu Deus, a cobra-grande está engolindo os índios! E agora? E agora? Vejam só, vejam só, a cobra-grande vai engolir o turista! É fantástico, senhoras e senhores! É fantástico!

Só que, quando os índios chegaram no bucho da malvada  e procuraram a tampa do alçapão, não conseguiram abrir a tampa. E a cobra continuou engolindo os índios, que foram se amontoando, um por cima dos outros, dentro da barriga da cobra. Com um barrigão, que mais parecia hidropisia, a cobra não tinha mais condições de se movimentar. Ficou ali, jiboiando. Mas o desespero acontecia dentro e fora da barriga, porque, pelo regulamento, cada alegoria tem que ser removida da arena no prazo de 15 minutos, senão o bumbá perde ponto.

Jair Mendes revolucionou as alegorias de Parintins

— Os minutos estão passando! Tirem essa cobra da arena! – gritava Zezinho Faria, o presidente do boi, olhando o relógio e enxugando o suor do rosto.

— Não dá, Zezinho, os índios não estão achando o buraco pra sair. E o bucho da cobra tá tão pesado, que ela não consegue mais se mexer, parece até que resolveu cochilar...

Quando ninguém sabia mais o que fazer, o apresentador Paulinho Faria teve uma ideia luminosa:

— Olhem o que está acontecendo na área, senhoras e senhores! A cobra-grande está tendo uma indigestão e está passando mal. Prestem atenção, a cobra parece que vai vomitar! É incrível, a cobra vai vomitar...

Pois não é que a cobra vomitou. Um a um, os índios foram saindo. Amarrotados, mas saíram. Quem não se conformou foi o moço que fazia papel de turista, pois que teve a câmera quebrada por um índio gordo que sentou em cima.

Meninos, eu vi!

Publicidade ATEM
Publicidade TCE
Publicidade CIESA
Publicidade BEMOL
Publicidade UEA

Mais Recentes