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Gilberto Mestrinho: morreu o homem, ficou o ‘feitiço do boto navegador’

Há exatos 10 anos, no dia 19 de julho de 2009, o Amazonas perdia um dos maiores nomes da história política do Estado. Depois de agonizar por de 16 dias lutando contra um quadro de insuficiência renal e problemas cardiorrespiratórios na clínica Prontocord, no Boulevard Amazonas, morria, aos 81 anos,  o senador Gilberto Mestrinho, o lendário cacique do PMDB que virou lenda ao ser amado e tratado pelo povo como  “boto navegador”.

Gilberto partiu numa manhã ensolarada de domingo, em companhia da mulher Maria Emília e da filha Maria Raposo, que também ocupavam um apartamento na clínica, para acompanhar o tratamento do ex-governador. Na véspera ele havia apresentado um surpreendente quadro de melhora, ao ponto dos demais familiares irem descansar em casa naquela noite.

Mas na manhã seguinte a notícia se espalhou como um rastilho e, em poucos minutos, a clínica estava tomada de  familiares – filhos , netos, irmãos –, políticos aliados, ex- colaboradores, gente simples do povo e um batalhão de jornalistas.  O corpo do senador foi velado no salão nobre do Palácio Rio Negro, o histórico prédio de onde ele governou o Amazonas por três vezes e, quase sempre, abriu as portas para receber o povo humilde que o idolatrava.

Milhares de pessoas formaram longas filas em frente ao Palácio Rio Negro para se despedir do ex-governador, que também era tratado pelos mais humildes como “professor”.  O enterro foi uma romaria cercada de muita comoção. O corpo seguiu num carro do Corpo de Bombeiros e seguido por centenas de outras veículos. Durante o cortejo rumo ao cemitério são João Batista, apareciam mulheres nas janelas das casas e acenavam lenços em sinal de despedida, algumas delas chorando.

O cortejo fúnebre entrou no Cemitério por volta de 11 h, onde uma multidão já esperava. A caminhada foi feita com a maioria das pessoas de cabeça baixa, ouvindo a voz do cantor David Assayag invadindo o ar com o histórico jingle das histórias campanhas de Gilberto:

“Pelo rio um caboclo navega sem medo/ Ô, ô, ô, ô/ Vê arara, uirapuru, boto, tucunaré/ É, é, é, é/ Minha terra é tudo o que se imaginar /Das florestas, das lendas encantar/ Tanta vida nos braços do meu rio-mar/Amazonas!/ Apontou o rumo certo, vamos navegar/ Ô, ô, ô, ô/No feitiço do boto navegador/ Gilberto, ô, ô, ô/Mestre comandante, meu Governador   

O corpo de Gilberto desceu à sepultura depois de discursos eloquentes do então senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e do vice-governador, Omar Aziz (PSD). Depois disso, se fez um silêncio profundo, ouvindo-se apenas o barulho de metal das pás dos coveiros.

“Meu grupo político vai ficar no poder por mais de 30 anos”

(Gilberto Mestrinho, 1982)

Mestrinho começou a carreira política na década de 1950 como prefeito de Manaus, numa época em que os chefes do Executivo Municipal eram escolhidos pelos governadores. Ele foi escolhido pelo então governador Plínio Coelho, que viu nele um promissor gestor, que se destacava como administrador e gestor econômico.

Com pouco mais de 30 anos, exerceu o mandato de prefeito, foi três vezes governador do Amazonas e senador por uma legislatura, que terminou em 2007. Depois do primeiro governo, se elegeu deputado federal. Mas, foi um curto mandato – de 1º de fevereiro de 1963 a 9 de abril de 1964, quando fui incluído na primeira lista de parlamentares cassados pelo Primeiro Ato Institucional.

Com a Lei de Anistia – que  foi sancionada em 28 de agosto de 1979 – que beneficiou mais de 100 presos políticos e permitiu o retorno de 150 pessoas banidas e 2000 exiladas, Gilberto retornou ao Amazonas e se candidatou ao governo, vencendo o então deputado Josué Filho (PDS, o partido da situação) numa eleição histórica.

Numa de suas primeiras entrevistas, logo que assumiu o governo, vaticinou o que iria acontecer no futuro político do estado. Muitos acharam a frase arrogante, mas o tempo mostraria que ele estava certo.

— Meu grupo político vai ficar no poder por mais de 20 anos –, disse o governador. Dito e feito: os nomes que ele fez, se reversaram no poder não por 20 anos, mas por mais de 30.

 Ao resto do Brasil, novamente com o olho no futuro e no desenvolvimento econômico do Estado, Mestrinho mandou um recado.

— Só deve vir para o Amazonas quem quer ganhar dinheiro.

Novamente, ele foi compreendido como um político exagerado. Como se o otimismo exacerbado continuasse convivendo com o mormaço da floresta, da época em que ele foi governador pela primeira vez.  Mas, para Gilberto, o Amazonas era a Pátria da esperança apesar dos tempos difíceis em que passava a economia brasileira naqueles bicudos anos de 1980.

Polêmico

Gilberto era um político controverso, polêmico. E assim como arrastou milhões de admiradores e seguidores que o conduziram três vezes no poder pelo voto direto, atraiu críticos que não aceitavam suas teses, principalmente as ecológicas.  Mas, apesar das críticas, e em alguns momentos exercer a mão de ferro, era inteligente o suficiente para não levantar a voz contra os adversários, não baixar o nível e nem ameaçar. Ao menos em público.

— Sempre expus minhas opiniões com lealdade e clareza e as defendo com ardor. Da mesma forma, aceito a discordância e a crítica honesta às ideias que defendo. Entendo que a oposição é necessária. Ela é heroica nos regimes autoritários, mas é imprescindível e fundamental nos regimes democráticos. É incompreensível quando simplesmente se faz oposição pela oposição, mas quando ela é séria, consequente, inteligente, capaz de apontar erros e sugerir soluções, esta oposição sempre terá nesta Casa o meu aplauso – disse ao tomar posse no Senado, em março de 1999.

Em sua última tentativa de concorrer a um cargo público, em 2006, Mestrinho lançou-se como candidato à reeleição ao Senado, mas ficou em terceiro lugar no pleito. Quando morreu, apesar da saúde debilitada e da idade, dirigia o PMDB do Amazonas com a mesma dedicação. Naquele distante 19 de julho de 2009, a história política do Amazonas virava uma página. Gilberto saiu da vida e virou mito. Ficou no ar o brado que iniciava seus comícios:

 — Aaaamaaaazoneeeeensessss!!!

E  frase que encerra o/s discursos, trazendo esperança ao eleitor,  ainda ecoa por aí:

— Nunca na história politica do Amazonas houve um governador como Gilberto Mestrinho!

Texto: Mário Adolfo

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