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Democracia, eu quero uma pra viver

Mesmo com todas as manifestações, pessoas nas ruas e gritos de ordem de todos os lados o nível de debate público da sociedade brasileira ainda é baixo

Imortalizada na voz de Agenor de Miranda Araújo Neto, popularmente conhecido como Cazuza, a música Ideologia é faixa que dá nome ao álbum lançado em 1988, terceiro do artista depois de ter se desligado da banda Barão Vermelho e do seu recente retorno dos EUA após descobrir ser soropositivo, segundo historiadores a música marcou o período de redemocratização do Brasil, um verdadeiro desabafo do cantor diante do cenário sócio-político do país naquele momento.

Em seu refrão ouvimos “Ideologia eu quero uma pra viver”, parafraseando o artista resolvi dar o título do artigo desta semana “Democracia, eu quero uma pra viver”. Ao que parece a voz das ruas no final das eleições que tivemos nada mais são do que um reflexo de um problema subconsciente que nossa jovem democracia vem enfrentando nos últimos tempos.

Como todo professor que se preze, é necessário deter-se na observação do elemento daquilo que se pretende estudar, partindo de seu conceito mais simples para após aprofundar-se o conhecimento e enriquecer-se o debate, noutros termos, de nada adiante vir de logo discutir e debater sobre a possibilidade de invocar o agora famoso Artigo 142 da Constituição da República para uma suposta “intervenção federal” para “defender a democracia", se não partirmos do pressuposto de compreender primariamente o que vem a ser aquilo que queremos defender.

De acordo com a famosa Enciclopédia Saraiva de Direito, em torno de três ideias básicas gravita a grande maioria das definições modernas sobre democracia. São elas: a) liberdade; b) igualdade; e c) regime de representação política do povo.

Conforme o conceito, essas três ideias são tomadas separadamente ou conjugadas. Nas definições em que aparecem conjugadas, associam-se às vezes somente duas delas, e, às vezes. as três. No sentido político-social, a democracia se caracteriza pela ênfase dada a determinados valores.

Sob este prisma "material", o que a democracia representa é o predomínio de determinadas tendências por parte das lideranças sociais, e, no plano das instituições, o acolhimento de princípios que se fundam sobre determinada visão do mundo. Inobstante, podemos afirmar que democracia é sempre algo que se está fazendo, um ideal cuja plena realização jamais se conclui.

De há muito entende-se que a democracia brasileira é uma democracia dualista. De 1982 a 1988, o povo brasileiro participou como nunca da política brasileira, através de manifestações, debates e eleições. Desse intenso processo, desse verdadeiro reencontro do país com a política democrática, surgiu a Constituição da República. Constituição esta que merece ser preservada não só pelo seu conteúdo, mas pela forma em que foi elaborada. Nunca se viu antes na história do Brasil, um processo tão participativo e tão democrático quanto o que se iniciou com a Campanha das Diretas Já e culminou com a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988.

Democracia sem deliberação é liberdade sem reflexão. A democracia exige que os cidadãos debatam os assuntos públicos, pois só assim eles estarão suficientemente informados e preparados para decidir.

Mesmo com todas as manifestações, pessoas nas ruas e gritos de ordem de todos os lados o nível de debate público da sociedade brasileira ainda é baixo, ainda mais sobre os temas normalmente discutidos na jurisdição constitucional.

É claro que essa situação não é perfeita, mas ela é real, veja-se o exemplo de ambos os lados extremados ora arguindo por uma “intervenção federal”constitucionalmente inexistente para os fins almejados, ora relembrando de um passado que a muito custo procurou-se superar e avançar, salvaguardado principalmente pela Carta Republicana de 1988.

A cada oportunidade que vemos e ouvimos pedidos de aplicação do dito Art.142 da Constituição da República para resolver todos os nossos problemas, indago se em verdade evoluímos como sociedade, não é possível que na quadra histórica em que vivemos não tenhamos a capacidade de formar novas lideranças, de evoluir nossos pensamentos, de avançarmos para o debate público e respeitoso das questões relevantes para a condução do futuro de nosso país.

Cazuza em 1988 desabafou em forma de música sua indignação por tudo o que havia ocorrido em nossa história, mas apontando para o futuro quem sabe imaginou a nossa Democracia, aquela em que queremos viver, fortalecida, longe dos fantasmas do passado, para o dia nascer feliz.

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